(Muito) distorcido
João Silva
Quando pensei em escrever sobre este assunto, sabia que ia ser um caminho duro. Desde logo, sei que procurei empatar e atrasar a redação do texto porque se trata de um tema duro de falar e que, de certo modo, ainda hoje me acompanha.
Falo da dismorfia ou a ideia distorcida como vemos prolongadamente o nosso corpo.
E é por isso que vos trago esta coleção de fotos minhas desde o meu passado mais recente até agora. Não é exibicionismo, é uma forma de expor um problema que afeta muita gente e pode servir como escape e como mecanismo de ajuda para quem sofre deste problema.
Tendo sido obeso uma parte da minha vida, habituei-me a ver o meu corpo assim. Havia muito espaço de corpo e havia um enorme desequilíbrio.
Não é que agora esteja tudo resolvido, mas o condicionamento que isso trazia à minha imagem na hora de me relacionar com os outros já não se manifesta tanto desde que comecei a correr.
Aí deu-se o grande ponto de viragem na minha relação com os outros, pois deixei de me sentir sempre inferior, mesmo quando o que mais interessava era a essência da pessoa, o que ela sabe e como atua. Isso não mudou de lá para cá, mas ter um corpo menos disforme ajudou a dar mais autoestima, a encarar melhor as coisas.
No entanto, começar esta aventura com 118 kg (em novembro de 2016) fez-me perder a noção do razoável e do equilíbrio. Então, fiz aquilo em que sou mesmo bom: dar cabo de mim e deixar que a situação tome conta da minha cabeça.
Eu estava magérrimo, cheguei aos 60 kg nos dois primeiros meses de 2018 e comecei a perder faculdades cognitivas.
Pior do que isso foi continuar a achar que ainda tinha peso para perder. Passei por momentos em que comia e tratava de expulsar o que tinha acabado de ingerir. Sim, foram momentos muito duros.
A sorte foi ter alguém ao meu lado que insistia em não me ver como eu via. Aos poucos, e é aqui que quero chegar, é possível comer mais, ganhar um peso aceitável e continuar saudável e de bem com o nosso corpo.
É um processo e também é preciso querer sair dessas situações, mas é reversível.
Não sou muito paciente, é um facto. Tal como também é um facto que ainda hoje passo por momentos em que duvido do que vejo ao espelho, em que desconfio do meu corpo, em que vou com os dedos medir o meu perímetro abdominal.
O lado bom deste processo retorcido do nosso cérebro é que, dentro de um limite aceitável, nos permite lidar com a situação e relativizar.
Quando o meu filho nasceu, uma das coisas que eu me disse, isto porque pensei logo em ajustes para cortar na alimentação (sem razão para tal), foi que não podia cair em parvoíces. Não podia deixar que isso afetasse a minha relação com ele. É que um dos problemas da dismorfia é cair no racionamento da comida e isso retira discernimento.
Assim, acima de tudo, diria, em jeito de conselho, que é preciso acreditar em quem temos connosco, que não nos podemos iludir e que temos de relativizar. Aceitar é sempre a melhor via. Mesmo que também seja a mais dolorosa.