Nada mudou
João Silva
Se há coisa que adoro é correr sempre a uma hora semelhante. Felizmente, não há muitas oscilações.
Este lado rotineiro de quem corre todos dias em percursos que se cruzam é algo que não se paga, porque, além da vida que se vê em direto, há as relações e as narrativas que vamos criando na nossa cabeça.
Praticamente todos os dias me cruzo com as carrinhas de fármacos que levam os medicamentos às farmacêuticas.
Praticamente todos os dias vislumbro os muitos camiões que se fazem à estrada na rotunda que separa os dois IC.
Praticamente todos os dias me cruzo com os loucos e apressados padeiros.
Praticamente todos os dias me cruzo com o "papa-reformas" que sai de Alcabideque perto das 06h00 e que lá regressa pouco depois.
Praticamente todos os dias é noite cerrada quando arranco.
Praticamente todos os dias vejo o filho do meu mecânico a ir para o trabalho de boleia.
Praticamente todos os dias vejo a carrinha que o leva parar à sua porta.
Esta familiaridade dá-me uma enorme sensação de pertença a este espaço. Também se chama a isto rotina, mas prefiro o termo contemplação.
Contemplar tudo isto também faz parte da minha rotina.
E, depois de ter mudado um pouco o horário nos últimos meses, passei a juntar mais quatro "hábitos" ao meu cardápio de rotinas:
Praticamente todos os dias vejo o motorista dos autocarros Urbcondeixa.
Praticamente todos os dias aceno ao referido motorista sempre que me cruzo com ele.
Praticamente todos os dias a minha vizinha me apita a dar motivação no pós-treino.
Praticamente todos os dias troco uns dedos de conversa com o padeiro de uns vizinhos (percebi que é um grande amigo de um colega meu das corridas)