Correr num corpo estranho
João Silva
Podia ser o título de um filme.
Na verdade, foi uma experiência que tive em outubro de 2021, quando retomei a corrida após a lesão que me obrigou a parar dois meses.
As duas primeiras corridas foram muito pequenas, mas foram o suficiente para me fazer crescer água na boca, para me deixarem de rastos e com uma sensação que nunca tinha experimentado: correr num corpo estranho.
Passo a explicar: nesses dois primeiros treinos, parecia que estava num corpo que não era meu. Estava a dar as ordens do costume, mas os membros tinham vida própria, os músculos tinham dores (normais) a que já não estava habituado, parecia muito enferrujado.
Sim, estive sem correr quase dois meses, mas nunca parei o exercício físico. E fiz muitas vezes bicicleta estática. Só que não era a mesma coisa. Nem sequer teve comparação com a ausência de corrida no período do primeiro confinamento.
A lesão mudou-se o corpo. Não há mal em reconhecer isso. Até porque não significa que tenha sido para pior. (Hoje reconheço que foi claramente para melhor). Eu é que não estava habituado a correr neste corpo.
Isto é como os carros: conduzimos um anos a fio. Quando entramos num "novo", tudo parece estranho. E depois habituamo-nos. É o que faz o ser humano.
Precisamente por reconhecer a minha necessidade em fazer do meu corpo um "instrumento novo", este ano decidi fazer um desmame da corrida em novembro, após a maratona. De 06 a 30 de novembro, corri 3 vezes. O objetivo era deixar que o corpo não chegasse ao nível de problemas que teve em 2021. Apesar de me ter custado muito por nunca o ter feito, era muito importante. E essa consciência fez com me obrigasse a respeitar mais este corpo, porque, apesar de tudo, só tenho este. Ele renova-se, é certo, mas não é inesgotável.