Diz que é uma espécie de preconceito
João Silva
Entretanto, o padeiro com quem me cruzo diariamente já virou presença assídua neste espaço.
Desta vez, abordou-me por causa da camisola que eu trazia vestida num dia de treino (era da minha equipa ARCD Venda da Luísa).
Contou-me que tem um amigo que entrou agora para a equipa e que ele também treina todos os dias.
"Mas faz isso porque não tem um trabalho como eu. Está a uma secretária o dia todo."
Estas foram as suas palavras.
Calmamente, engoli em seco e lá respondi que não são coisas relacionadas e que é possível trabalhar e treinar, mesmo todos os dias.
Ora bem: confesso que este preconceito me enerva.
Não é o facto de treinar todos os dias que faz de mim um bon vivant.
Que haja trabalhos complexos e vidas que não permitem treinos diários demorados, aceito perfeitamente.
Que haja dias em que não há vontade, também aceito.
Que me digam que só se treina assim porque se tem boa vida, não aceito.
É preciso fazer escolhas. Falo do meu caso, mais ainda agora depois de ter sido pai. Se antes via alguns jogos de futebol, agora passei a usar algum desse tempo para treinar. Se antes me levantava às 07h30, agora levanto-me às 04h30 ou às 05h00.
Se ia às redes sociais, há mais de um ano e meio que não meto lá os coutos. É tempo que sobra para aquilo que é mesmo importante para mim.
Vejo as séries que dão, já não fico a ver ad eternum.
Não tenho nada contra quem o faz, mas eu achei que uma parte desse tempo podia ir para o desporto.
Não sou nem faço mais do que ninguém, mas trabalho, limpo a casa, passo a ferro, cozinho, tomo conta do meu filho todos os dias e treino todos os dias.
Como? Naturalmente com a colaboração da minha esposa que também faz tudo isto (menos treinar). Se não funcionássemos com um sentido de bem comum para a família, nada disto resultava.
Agora, tenho uma vida de luxo porque consigo treinar todos os dias?
Não, tenho uma vida tão dura como a de muitas famílias, mas uma das minhas prioridades é a corrida e por isso não abdico dela.
Quando não conhecemos o outro lado, tudo nos parece encantador.
E, para mim, a minha vida é, mas, como em tudo, tive de definir prioridades. Família, trabalho e corrida são as minhas.