Na verdade, as duas "versões" coexistem em vários corredores e, para ser honesto, algumas vezes na mesma pessoa.
Não sou hipócrita e eu próprio já estive nesse barco: pensa-se que, pelo facto de se praticar desporto, há uma espécie de via verde na comida.
Regra geral e ao longo destes quase três anos, em comparação, foram muito mais os meses em que corri por paixão do que aqueles em que o fiz para poder comer. No meu caso, nem foi propriamente para comer extravagâncias ou algo parecido, foi para poder comer em quantidade, foi com o intuito de suprimir os ataques de gula e as compulsões que, de vez em quando, lá dão sinal de vida.
Houve uma fase, na transição de dezembro de 2017 para o ano de 2018, em que estive mal, pesei perto de 60 kg, ou seja, andava subnutrido, passei de um extremo a outro sem conseguir ter o equilíbrio emocional necessário para perceber que estava numa piscina de areia movediça. E aí, a forma mais adequada para me "safar" foi aumentar o consumo, em alguns casos desenfreado, de muitas granolas (sempre caseiras, não compro, faço-as eu) ou de grandes quantidades de frutos secos. Não tenho problemas nem dificuldades em admitir que precisei da corrida para não deixar que a comida voltasse a tomar conta de mim.
Qual a parte boa no meio disto tudo? Foi que consegui converter o aumento de massa gorda em massa muscular. Porquê? Porque nunca parei de fazer exercício, bem pelo contrário. Apesar de algum descontentamento que vivi naquela altura (sim, por muito que se goste de desporto, pode haver uma fase de alguma descrença ou de desânimo, é normal, faz parte da condição humana e em nada belisca a paixão pela modalidade), não me desorientei e, após alguns meses em baixo de forma, voltei onde queria. Melhor: cheguei melhor onde queria, porque sequei a massa que tinha e transformei-a em músculo.
Conheço muitos colegas que correm exclusivamente para poderem comer à vontade. Não vejo mal nisso, se tal significar alguma capacidade de controlo por parte de quem o faz. Por outro lado, trata-se de um círculo vicioso e o jogo, na minha opinião, ficará sempre do lado da comida. O corpo vai chegar a um ponto onde precisa de descanso e a comida, por seu turno, vai continuar a acumulação e a adição no nosso organismo.
Além disso, há ainda outro fator a ressalvar: comer perdidamente e correr perdidamente mais não é do que um jogo de acabar e começar, sendo que, se pretendermos alguma evolução física na modalidade, nunca sairemos da casa de partida, porque estaremos sempre a desfazer o que fizemos anteriormente. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca.
Posto isto, não adoto essa filosofia do correr para comer não só porque isso seria perigoso para alguém que, como eu, foi obeso, mas também porque tenho ambições neste desporto e porque o vejo como uma paixão, como uma forma de evoluir e de me desafiar pessoalmente.
Desse lado, alguém corre/faz desporto exclusivamente para poder comer mais um pouco?