A falta que faz
João Silva
11 de março foi o último dia em que corri ao ar livre. Mais de dois meses e já nem sei o que é pôr os pés no asfalto e voar sem destino por tempo ilimitado.
Não sou diferente de ninguém, nem sequer me estou a queixar por ter tido de ficar em casa, numa primeira fase, devido à situação de quarentena. Chama-se respeito pela minha vida e pela dos outros, ao contrário de muitos que escolheram continuar como se nada fosse. Negacionistas, I say. Ainda assim, aos poucos, as coisas estão a encarreirar e todos estão a a criar uma nova realidade.
Depois da mudança forçada de metodologia de treinos, sendo curioso o facto de ter começado a treinar ainda mais no tempo em que estive sempre em confinamento, entrei numa limitação diferente. No fundo, era aquela com que já contava desde agosto de 2010: a paternidade.
Agravada pela situação pandémica que vivemos, a saudade e a falta cresceram.
Mas saudade e falta de quê?
Daquilo que se tornou o meu ponto de equilíbrio nos últimos três anos e meio (celebrados há dois dias).
De sair de casa com as sapatilhas calçadas e de sentir o fresco e o quente no corpo.
De subir a primeira "ladeira" de Condeixa.
De passar junto à escola e ao estádio e de praguejar com tanto carro a passar.
De ouvir os apitos de conhecidos l.
De dizer olá ao senhor que passeava o cão todos os dias e que já me conhecia há mais de 3 anos.
De seguir para Alcabideque e de passar pelo velhinho pastor alemão que guardava um terreno.
De cruzar o Bom Velho de Cima a arfar e de descer pelo lado oposto, no IC3 rumo a Condeixa.
De subir pela Casa telhada, sem viv'alma por perto, e de ver a raposa ao longe a fugir.
De sentir o ar puro da estrada de Alcabideque.
De subir ao Casal da Légua depois de ter descido pela Venda.
De tudo isso sinto uma falta de "morte".
Enquanto pude, treinei o mais que deu, portanto, nem sequer é um lamento. Fui um privilegiado em relação a muitos e não descuro isso.
Porém, constato uma falta que sinto: correr. Faz-me mesmo muita falta.