Um bom ouvido é sucesso garantido
João Silva
A fase pós-maratona é tão importante como preparar a prova em si, por causa das consequências. Na verdade, até pode ser mais difícil, isto porque até à maratona, o cérebro produz serotonina e dopamina que nos tornam eufóricos e positivamente ansiosos e "leva-nos" até ao grande dia.
Mesmo após os treinos longos de preparação, o cérebro mantém o foco e, como sabe que o objetivo ainda não foi alcançado, não deixa que percamos a noção do que é importante em cada fase.
Pude comprovar isso mesmo na preparação para o Porto em 2018.
Sem falsas modéstias, antes da maratona, por tudo o que li e por tudo o que passei nos treinos, sabia o que ia encontar e como atuar face a cada adversidade, bem como quais os momentos ideais para me hidratar e para abrandar o ritmo e a cadência.
Em vez de dar descanso ao corpo e de baixar os níveis, fiz o inverso. Por isso e por ainda hoje passar por uma fase de "desmame", reconheço que o período pós-maratona é tão importante quanto o pré.
Mais do que isso, é vital descansar. Como tinha cometido alguns deslizes na alimentação na semana antes da prova, achei que devia treinar sem parar. Nada mais errado. Isso e o facto de ter marcado provas sem destino e de ter organizado e realizado treinos duríssimos com muitas subidas, variações de ritmo e sprints.
Além do sofrimento psicológico, que é inevitável (falarei disso noutro capítulo), levei o meu próprio corpo a um ciclo de descompensação que resultou em perda de frescura, em princípios de lesões, em treinos durantes semanas com dores na anca esquerda e em perda de capacidade de resposta.
Algo que aprendi (também depois de ter lido sobre o assunto) foi que cada maratona é um ciclo fechado. Uma vez terminada, é necessário fazer "tábua rasa" e começar uma nova preparação para uma nova maratona. Ficam as experiências da anterior, mas a brutalidade por que passamos na prova origina mudanças no organismo e é preciso aceitá-las e lidar com as alterações. Abraçá-las. Demorei três meses a perceber isso.
Por último, os especialistas no ramo recomendam que o desmame seja feito logo após a maratona. Fazê-lo significa não correr durante quatro semanas, mas não ausência total de treino.
Para esta primeira maratona de 2019, tenho programada uma semana de desmame após a corrida: descanso, caminhada lenta e mais intensa, bicicleta e bicicleta estática, ioga (ajuda imenso na regeneração) e corrida lenta.
Não conseguirei ficar mais do que uma semana sem correr, mas será diferente do que me aconteceu em novembro de 2018.
Igualmente útil é baixar expetativas entre períodos de maratonas, porque o corpo muda, e ainda aprender a usar provas mais pequenas (de 10 e 21 km) para rolar, para ganhar ritmo e não para competir ao mais alto nível. Fiz isso entre novembro e dezembro e paguei muito caro.